Bispo do
Rosário e sua arte de
‘enlouquecer’
os signos
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Negro e pobre, maluco e genial. como sempre no Brasil estes
atributos aos negros chegam tarde. é a maior nação negra fora da África. e a
mais racista, mais cruel. Destaque de Paulo.
Arthur
Bispo do Rosário ou Bispo do Rosário (Japaratuba,Sergipe, 14 de
maio e 19091 ou, segundo outras fontes, 16 de
março de 1911Nota 1 –Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 5
de julho de 19891 ) foi um artista
plástico brasileiro.
Considerado louco por
alguns e gênio por outros, a sua figura insere-se no debate sobre o
pensamento eugênico, o preconceito e os limites entre a insanidade e
a arte, no Brasil. A sua história liga-se também à da Colônia Juliano
Moreira, instituição criada no Rio de Janeiro, na primeira metade
do século XX, destinada a abrigar aqueles classificados como anormais ou indesejáveis
(doentes psiquiátricos, alcóolatras e desviantes das mais diversas espécies).
Natural
de Japaratuba, no interior do estado de Sergipe – onde nascera em 1909, e para
onde jamais retornou – para ingressar, em 1925, na Marinha, Arthur Bispo do Rosário
foi negro, pobre e nordestino. Foi boxeador e biscateiro. Entre 1933 e 1937,
trabalhou no Departamento de Tração de Bondes, na cidade do Rio de Janeiro. Por
fim, como empregado doméstico da família Leone, no bairro carioca do
Botafogo.
Na noite
22 de dezembro de 1938, despertou com alucinações que o conduziram ao patrão, o
advogado Humberto Magalhães Leoni, a quem disse que iria se apresentar
à Igreja da Candelária. Depois de peregrinar pela rua Primeiro de Março e
por várias igrejas do então Distrito Federal, terminou subindo ao Mosteiro
de São Bento, onde anunciou a um grupo de monges que era um enviado de Deus,
encarregado de julgar os vivos e os mortos. Dois dias depois foi detido e fichado
pela polícia como negro, sem documentos e indigente, e conduzido
ao Hospício Pedro II (o hospício da Praia Vermelha), primeira
instituição oficial desse tipo no país, inaugurada em 1852, onde anos antes
havia sido internado o escritor Lima Barreto (1881-1922).4
Um mês
após a sua internação, foi transferido para a Colônia Juliano Moreira,
localizada no subúrbio de Jacarepaguá, sob o diagnóstico de
“esquizofrênico-paranoico”.Aqui recebeu o número de paciente 01662, e
permaneceu por mais de 50 anos.5
Em
determinado momento, Bispo do Rosário passou a produzir objetos com diversos
tipos de materiais oriundos do lixo e da sucata que, após a
sua descoberta, seriam classificados como arte vanguardista e comparados à obra
de Marcel Duchamp. Entre os temas, destacam-se navios (tema recorrente
devido à sua relação com a Marinha na juventude), estandartes, faixas
de misses e objetos domésticos . A sua obra mais conhecida é
o Manto da Apresentação, que Bispo deveria vestir no dia do Juízo
Final. Com eles, Bispo pretendia marcar a passagem de Deus na Terra.
Os
objetos recolhidos dos restos da sociedade de consumo foram reutilizados como
forma de registrar o cotidiano dos indivíduos, preparados com preocupações estéticas,
onde se percebem características dos conceitos
das vanguardas artísticas e das produções elaboradas a partir de
1960.
Utilizava
a palavra como elemento pulsante. Ao recorrer a essa linguagem manipula signos
e brinca com a construção de discursos, fragmenta a comunicação em códigos
privados.
Inserido
em um contexto excludente, Bispo driblava as instituições todo tempo. A instituição
manicomial se recusando a receber tratamentos médicos e dela retirando
subsídios para elaborar sua obra, e museus, quando sendo marginalizado e
excluído, é consagrado como referência da Arte
Contemporânea brasileira.
Um
detalhe chama a atenção no primeiro prontuário médico escrito sobre Arthur
Bispo do Rosário. Descrito como “calmo, de olhar vivo”, com “ares de importância”
e “fisionomia alegre”, o paciente também podia associar “ideias com extravagância”.
Não
parece o diagnóstico de um louco, mas esse documento atestou loucura suficiente
para que o artista sergipano, que morreu aos 80, em 1989, ficasse internado
primeiro no hospício da Praia Vermelha e mais tarde na Colônia Juliano Moreira,
no Rio.
Encontrado
agora, esse prontuário, que será publicado pela primeira vez, é a peça-chave de
uma extensa pesquisa da psicóloga Flavia Corpas e do crítico de arte Frederico Morais-
que acaba de ganhar forma de livro.
Entre
outros fatos, “Arte Além da Loucura” dá detalhes sobre o surto que levou Bispo
do Rosário a ser trancafiado num hospício e sobre sua vida antes, como lutador
de boxe e oficial da Marinha.
São
dados que dissolvem uma série de mitos, em um momento de redescoberta da obra
de Bispo do Rosário, exaltado como figura central da última Bienal de São Paulo
e ocupando agora uma sala na Bienal de Veneza, com seus mantos e estandartes.
“Ele não
vivia em estado permanente de delírio, sabia das coisas”, diz Morais, em
entrevista à Folha. “Essa ideia meio romântica da loucura não existe. Ele sabia
o que estava fazendo o tempo todo e se tornou uma figura poderosa dentro do
hospital. Há uma ordem interna muito forte no trabalho dele.”
Mesmo
que não falasse sobre o passado, detalhes de sua vida estão documentados nos
estandartes que bordou: da infância numa fazenda de cacau na Bahia à ida ao Rio
como marinheiro, passando por sua carreira de pugilista.
São
avalanches de nomes escritos em ordem alfabética, os mais importantes bordados
do lado de dentro de seu “Manto da Apresentação”. Além do nome do pai, Bispo
lembrou ali alguns adversários que enfrentou no ringue.
LOBO
DO MAR
Não eram
histórias inventadas. Jornais da época narravam de forma assídua os embates do
lutador que nunca foi nocauteado e ficou conhecido como “lobo do mar”, ou
“marujo de bronze”, dotado de “dureza granítica”.
Em 1929,
reportagem do “A Manhã” descreveu sua primeira luta profissional como “encarniçada”,
afirmando que ela “arrancou aplausos pela violência dos lutadores”.
Mas
depois que um bonde esmagou um osso de seu pé, Bispo deixou o ringue e foi
trabalhar como empregado doméstico na casa da família Leone, uma das mais ricas
e poderosas do Rio na época.
Humberto
Leone, um dos herdeiros do clã, conta que Bispo era vaidoso e se vestia “com
luxo”, usava gravatas de seda e perfume francês.
Isso até
o Natal de 1938, quando teve os três sonhos que o levaram a se apresentar num
mosteiro como um enviado divino, que veio à Terra numa esteira de nuvens para
impedir que o “espírito malíssimo” aqui chegasse.
Naquele
primeiro prontuário, estão descritas suas alucinações, entre elas o sonho de
uma “chuva de estrelas”, que “explodiam fazendo barulhos incríveis”, como se
imaginasse o próprio destino de brilhar noutro ringue.
A obra
do esquizofrênico Arthur Bispo do Rosário tornou-se o modelo da arte brasileira
de vanguarda no século 20. A sua arte atrai a atenção de especialistas e amadores
das artes desde os anos de 1980.
Graças a
Instituições como o Museu de Imagens do Inconsciente e ao trabalho de críticos
e curadores, sua obra se tornou uma unanimidade, com direito a representar o
Brasil na Bienal de Veneza. Bispo é reconhecido como uma espécie de “reencarnação”
de aclamados ícones da modernidade.
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