Barco autônomo
Sem tripulação, protótipo de embarcação movida a
energia solar faz medições e coleta dados no mar, rios e lagos
EVANILDO DA SILVEIRA
MARÇO 2017
Um pequeno barco elétrico desenvolvido pela empresa
Holos Brasil, do Rio de Janeiro, é capaz de navegar de forma autônoma, sem
piloto a bordo. Faz isso controlado apenas por uma pessoa em terra munida de um
computador portátil. É movido exclusivamente por energia solar captada por
painéis fotovoltaicos instalados em cima da embarcação. Além de baterias para
estocar eletricidade, o barco pode levar instrumentos para vários tipos de
missão, tais como coleta de dados meteorológicos, oceanográficos ou fluviais
(profundidade, traçado da topografia do leito) e para o estudo da vida
aquática. Também poderá ter aplicações na indústria de petróleo, como o
monitoramento de dutos e equipamentos submarinos. Com 3,2 metros (m) de
comprimento, 1,6 m de largura e pesando 82 quilogramas (kg), o barco é do tipo
catamarã, com dois cascos paralelos interligados por duas barras sobre as quais
estão as placas solares. Sua velocidade é de 3 nós por hora (5,5 quilômetros
por hora, km/h). É a primeira embarcação com essas características feita no
país. Ainda é um protótipo em fase de testes.
O engenheiro naval Lorenzo Cardoso de Souza, sócio
da Holos, conta que a ideia de desenvolver a embarcação surgiu a partir da sua
participação, em 2009, no Desafio Solar Brasil, uma competição de barcos
movidos a energia fotovoltaica com um piloto a bordo, organizado pela
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e patrocinado pela empresa Enel
Brasil – que atua na geração e distribuição de energia elétrica e gás natural
–, pela prefeitura de Búzios (RJ) e pela Secretaria Estadual de Esporte do Rio.
“Na primeira edição desse evento, a Holos competiu com duas embarcações
desenvolvidas em parceria com pesquisadores da Coppe [Instituto Alberto Luiz
Coimbra de Pós-graduação e Pesquisa em Engenharia da UFRJ]”, explica Souza, que
fundou a Holos em 1998 com Frederico Garcia Magalhães. “As duas embarcações
foram vitoriosas em suas categorias”, informou Souza. Além de ter desenvolvido
esse protótipo, a empresa fabrica barcos a vela, boias oceanográficas e
equipamentos para barcos de regata e cadeira de rodas com fibra de carbono.
Na mesma competição, uma equipe da Universidade
Federal de Santa Catarina (UFSC) venceu na categoria catamarã. Esse grupo
depois se uniu à Holos para disputar um desafio semelhante na Holanda, o
Frisian Solar Challenge, em 2010. A partir daí a colaboração entre as duas
equipes se firmou e, a convite dos catarinenses, a Holos participou da
construção de um barco movido a energia fotovoltaica para transporte escolar na
comunidade de Santa Rosa, localizada na ilha das Onças, município de Barcarena,
Pará. A embarcação demanda piloto e tem capacidade para 22 pessoas. Ficou
pronta em 2014 e está em operação, transportando os estudantes entre a ilha
onde moram e a escola na sede do município.
Primeiro protótipo
Souza conta que, durante esse trabalho, Magalhães e ele mergulharam no universo das embarcações movidas a eletricidade. “Surgiu então a ideia de desenvolvermos um barco que fosse autônomo não apenas do ponto de vista da navegação, mas também da energia que o move”, diz. “Uma embarcação que pudesse, por meio de placas solares, armazenar energia durante o dia para navegar à noite.” O projeto foi submetido à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj), em 2013, que aprovou financiamento de R$ 300 mil.
Com as placas solares, a autonomia do barco é ininterrupta. Em dias nublados, a velocidade cai de 5,5 km/h para 1,8 km/h
O primeiro protótipo ficou pronto no ano passado e
já foi testado em um trabalho de batimetria (medição de profundidade)
encomendado pela Coppe na ilha do Fundão, onde fica o campus central da
UFRJ. O barco possui quatro placas fotovoltaicas de 50 centímetros por 1 m,
localizadas entre seus dois cascos, com potência total de 400 watts. A
eletricidade gerada é armazenada em seis baterias de lítio, o que garante
navegação ininterrupta, 24 horas por dia. “Com as placas, a autonomia da
embarcação é indefinida, pode navegar sem paradas”, explica Souza. “Mesmo em
dias nublados o barco continua navegando. Nesse caso, como há menos energia
disponível, haverá uma redução da velocidade, que poderá ser de apenas 1 nó
(1,8 km/h). Sem as placas, só com as baterias, a autonomia é de 10 horas.”
O barco é equipado com computadores e programas de
navegação autônoma, bússola, acelerômetros e giroscópios. “Esses sistemas e
equipamentos garantem que a navegação siga em uma rota pré-programada,
independente de marés, ventos e outras condições oceânicas”, diz Souza. Nesse
primeiro protótipo, as comunicações entre o veículo e a base de operações são
feitas por rádio UHF, o que limita o raio de atuação a cerca de 10 km. “Temos
um projeto em que a embarcação se comunicará via satélite.”
O sucesso do protótipo, chamado de C-400, motivou
Souza e Magalhães a criar uma nova empresa , a Unmanned Surface Solar Vehicle
(USSV) ou Veículo Solar de Superfície não Tripulado, para comercializar barcos
autônomos. Dois modelos estão em fase final de projeto. Um pequeno para
serviços costeiros com 2,5 m de comprimento e autonomia de até 20 horas e um
oceânico, com 4,5 m de comprimento e autonomia de 90 horas. A velocidade média
dos barcos será de 5,5 km/h. “O C-400 despertou o interesse da Petrobras e da
Marinha do Brasil”, conta Souza. A Holos pretende vender seu barco menor por R$
130 mil a unidade. A versão oceânica ainda não tem preço.
O engenheiro Marcos Gallo, professor do Laboratório
de Dinâmica de Sedimentos Coesivos (LDSC), da Área de Engenharia Costeira e
Oceanográfica da Coppe, que acompanhou testes do protótipo, considera
importante o desenvolvimento de barcos autônomos. “Eles facilitam o acesso a
locais restritos para outras embarcações devido a dimensões ou ao calado [a
parte da estrutura da embarcação que fica dentro d’água] e oferecem mais
mobilidade e praticidade nas medições”, diz Gallo.
Souza reconhece, no entanto, que o barco tem
desvantagens, como energia limitada. “Isso restringe o número de equipamentos
que podem ser embarcados, porque a energia gerada pelas placas fotovoltaicas
precisa ser dividida entre eles e a própria embarcação”, explica. “Outra
desvantagem é a grande área ocupada pelos painéis solares.”
As embarcações solares autônomas ainda são raras.
Souza cita a empresa inglesa ASV, fabricante de um barco que, além de energia
solar, utiliza também motor a diesel. Um barco autônomo solar que fez o
primeiro teste em 2016 foi o SeaCharger, desenvolvido pelo norte-americano
Damon McMillan. O barco chegou ao Havaí depois de uma viagem de 41 dias e 4.469
quilômetros, que começou na Califórnia, nos Estados Unidos. O Wave Glider é
outro barco autônomo que percorreu grandes distâncias. Viajou, em 2015, de São
Francisco, nos Estados Unidos, até a Austrália. Desenvolvido pela empresa
norte-americana Liquid Robotics, ele tem painéis solares que alimentam os
equipamentos de bordo e a propulsão é feita pelo movimento das ondas do mar.
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