Empresas
"maquiavam" carne vencida e subornavam fiscais de ministério, diz PF
- 17/03/2017 13h57
- Porto Alegre
Daniel
Isaia - Correspondente da Agência Brasil
Ao longo das investigações que culminaram na
Operação Carne Fraca, deflagrada hoje (17) de manhã, a Polícia Federal (PF)
descobriu que os frigoríficos envolvidos no esquema criminoso "maquiavam"
carnes vencidas com ácido ascórbico e as reembalavam para conseguir vendê-las.
As empresas, então, subornavam fiscais do Ministério da Agricultura, Pecuária e
Abastecimento para que autorizassem a comercialização do produto sem a devida
fiscalização. A carne imprópria para consumo era destinada tanto ao mercado
interno quanto à exportação.
“Tudo isso nos mostra que o que interessa a esses
grupos corporativos na área alimentícia é, realmente, um mercado independente
da saúde pública, independente da coletividade, da quantidade de doenças e da
quantidade de situações prejudiciais que isso [a prática criminosa] causa”,
afirmou o delegado federal Maurício Moscardi Grillo, em entrevista coletiva no
fim da manhã, na sede da PF em Curitiba. Também participaram da coletiva o
superintendente da corporação, Rosalvo Ferreira Franco, o delegado Igor Romário
de Paula e o auditor da Receita Federal Roberto Leonel de Oliveira Lima.
Algumas das maiores empresas do ramo alimentício do
país estão na mira da operação, entre as quais a JBS, dona de marcas como Big
Frango e Seara, e a BRF, detentora das marcas Sadia e Perdigão. A Justiça
Federal no Paraná (JFPR) determinou o bloqueio de R$ 1 bilhão das
empresas investigadas, que também são alvo de parte dos mandados de prisão
preventiva, condução coercitiva e busca e apreensão expedidos pela 14ª Vara
Federal de Curitiba.
Moscardi disse ainda que parte do dinheiro pago aos
agentes públicos abastecia o PMDB e o PP. A Polícia Federal não identificou, no
entanto, os políticos beneficiados pelo esquema, nem a ligação entre os
funcionários do Ministério da Agricultura e esses partidos. “Não foi
aprofundado porque o nosso foco era a saúde pública, a corrupção e a lavagem de
dinheiro”, explicou o delegado.
A PF também informou ter interceptado um telefonema
entre o ministro da Justiça, Osmar Serraglio, e o ex-superintendente do Ministério
da Agricultura no Paraná Daniel Gonçalves Filho – um dos investigados pela
corporação. A Polícia Federal informou que não identificou, no entanto, ação
criminosa por parte de Serraglio, que à época do telefonema era deputado
federal. “Por cautela, no entanto, foi necessário fazer esse informe aqui para
não sermos questionados”, disse Moscardi.
Investigação
A Operação Carne Fraca é resultado de dois anos de
investigações e foi divulgada pela PF como a maior realizada na história da
corporação. Mais de 1,1 mil policiais federais
cumprem 309 mandados em sete unidades federativas: São Paulo, Distrito Federal,
Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Minas Gerais e Goiás. Além das
empresas que participavam do esquema, a operação tem como alvo os fiscais do
Ministério da Agricultura que se beneficiaram do recebimento de propina e de
vantagens pessoais para liberar a venda da carne imprópria para consumo.
Além do repasse de dinheiro, os agentes públicos
recebiam como propina produtos alimentícios das empresas, segundo a PF. Alguns,
inclusive, já estariam começando a reclamar da qualidade dos alimentos que
ganhavam para fazer vista grossa na fiscalização.
O delegado Maurício Moscardi ressaltou que a
responsabilidade pelos atos criminosos é compartilhada por empresários e
agentes públicos. “Não havia uma relação de extorsão, mas sim de benefício e de
alimentação mútua entre eles. Os empresários também incentivavam e se sentiam
próximos desse esquema; eram corruptores”, afirmou.
Dentro do Ministério da Agricultura, a PF descobriu
que os funcionários envolvidos promoviam remoções (transferências) de fiscais
para garantir a continuidade do esquema criminoso. A investigação começou,
inclusive, depois que um fiscal se recusou a ser removido ao descobrir fraudes
em uma das empresas envolvidas.
Outro lado
Um dos alvos da Operação Carne Fraca, o grupo JBS
destaca, em nota oficial, que adota “rigorosos padrões de qualidade” para
garantir a segurança alimentar de seus produtos. “A companhia repudia
veementemente qualquer adoção de práticas relacionadas à adulteração de
produtos – seja na produção e/ou comercialização – e se mantém à disposição das
autoridades com o melhor interesse em contribuir com o esclarecimento dos
fatos”, diz o texto.
Saiba Mais
- Justiça Federal no Paraná bloqueia R$ 1 bilhão dos maiores frigoríficos do país
- PF faz operação para combater fraudes na fiscalização do setor de alimentos
Segundo a empresa, a ação deflagrada hoje atingiu
três unidades da companhia – duas no Paraná e uma em Goiás. A JBS ressalta que
“não há nenhuma medida judicial contra os seus executivos”.
A BRF informou, em nota, que está colaborando com
as autoridades para o esclarecimento dos fatos. Segundo a empresa, não há risco
para os consumidores. "A companhia reitera que cumpre as normas e
regulamentos referentes à produção e comercialização de seus produtos, possui
rigorosos processos e controles e não compactua com práticas ilícitas. A BRF
assegura a qualidade e a segurança de seus produtos e garante que não há nenhum
risco para seus consumidores, seja no Brasil ou nos mais de 150 países em que
atua."
Também em nota oficial, o ministro da Agricultura,
Blairo Maggi, diz que, diante dos fatos narrados na operação, decidiu cancelar
a sua licença de 10 dias do ministério. "Estou coordenando as ações, já
determinei o afastamento imediato de todos os envolvidos e a instauração de
procedimentos administrativos", informou. "Todo apoio será dado à PF
nas apurações. Minha determinação é tolerância zero com atos irregulares no
ministério", acrescentou.
Segundo Blairo Maggi, a apuração da PF indica que
os envolvidos no esquema ilegal praticaram "um crime contra a população
brasileira", que deve ser punido "com todo rigor". "Muitas
ações já foram implementadas para corrigir distorções e combater a corrupção e
os desvios de conduta, e novas medidas serão tomadas." Para o ministro, no
entanto, é preciso separar "o joio do trigo" durante as
investigações.
O Ministério da Justiça também divulgou nota depois
que a operação foi deflagrada. O texto afirma que a menção ao nome de Osmar
Serraglio na investigação é uma prova de que o ministro não vai interferir no
trabalho da Polícia Federal. “A conclusão, tanto do Ministério Público Federal
quanto do juiz federal, é que não há qualquer indício de ilegalidade nessa
conversa degravada”, ressalta a nota.
O PMDB, citado pela PF como suposto beneficiário de
parte da propina, diz que “desconhece o teor da investigação, mas não autoriza
ninguém a falar em nome do partido”.
Também citado como um dos partidos que teria sido
beneficiado por parte da propina arrecadada no esquema, o PP disse que
desconhece o teor das denúncias "O partido apoia minuciosa
investigação e o rápido esclarecimento dos fatos", afirmou o PP em nota.
Repercussão
No final da manhã, a Confederação Nacional de
Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) emitiu nota oficial assinada pelo
presidente da instituição, João Martins da Silva Júnior. No texto, a entidade
defende a apuração dos fatos envolvendo frigoríficos e fiscais agropecuários e
que, uma vez comprovados, possam levar à punição exemplar dos envolvidos.
A nota da CNA diz ainda que os produtores rurais
brasileiros têm dado “grande contribuição ao desenvolvimento nacional” e afirma
não ser justo que eles tenham a imagem “maculada pela ação irresponsável e
criminosa de alguns”.
Em nota, o Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais
Federais Agropecuários diz que apoia a ação da Polícia Federal. "A
operação está alinhada aos objetivos de auditores fiscais federais
agropecuários no sentido de aprimorar a inspeção de produtos de origem animal
no Brasil". Segundo o sindicato, as denúncias constam de processo
administrativo que tramita no Ministério da Agricultura desde 2010.
Veja
abaixo a íntegra do processo e o despacho da Justiça Federal:
*Texto
ampliado às 14h56, às 17h58 e às 20h29
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