quarta-feira, 24 de fevereiro de 2016

No Brasil é assim



O desabafo da jovem negra que se fantasiou de “paneleira” no Carnaval

Categoria » Questão Racial

 
“A graça que vemos na Lolo não está apenas na cor, mas porque, na realidade, longe dos dias de confete e serpentina onde os papéis se invertem, Lolos nos oprimem com seu dinheiro, suas opiniões e sua indignação seletiva. Mas, neste Carnaval, pudemos rir dela e algo mudou”, diz a blogueira sobre a personagem que criou

Existe whiteface?
Por Luanna Teofillo*, da Revista Fórum 
Quem é Lolo?
“Teatro é uma arma. Uma arma muito eficiente.” Augusto Boal


Heloísa Clarice Figueiroa dos Santos, paulistana da gema e, apesar dos pais não serem casados no papel (o avô de Lolo era militar e a mãe recebe a pensão destinada a filhas solteiras de militares), representa a família tradicional brasileira e é um personagem cômico. Entre leituras de Brecht e Augusto Boal e seu Teatro do Oprimido, surgiu a ideia de Lolo – a Paneleira, sátira criada para o Carnaval de 2016.

Os detalhes da sua caracterização contam mais a sua história: a bolsa Channel para lembrar os dias em Paris (lugar muito superior a São Paulo), a camiseta vintage da seleção herdada do avô militar e a panela na mão como símbolo de sua indignação. Lolo está indignada com tudo o que esta aí, mas não sabe exatamente o que é esse tudo. Ela bate panela na janela para mudar nosso país.

Lolo não é racista, mas acha que lugar de moreninho não é na universidade ao seu lado, pois cada um deve ficar no seu devido lugar. As flores no cabelo mostram um certo clima hippie chic, afinal ela quer paz e amor com o apoio do aparelho policial do Estado para defender seu patrimônio e os seus.

Trata-se de um personagem complexo, dadas as incongruências nas esferas subjetiva, social e política da sua psique e por ser tão psicologicamente completo quanto as pessoas reais, mas ela não é real. A composição é baseada em um tipo que vemos todos os dias na internet, no trabalho, na TV. Sabemos o que ela pensa e o que vai dizer, como se veste e as baladas que frequenta. A Lolo é um personagem do cotidiano, especialmente em São Paulo. Todos conhecemos uma Lolo.

A questão é que, uma vez lançado na internet, em manobra de percepção e identificação simbólica do público, o pensamento coletivo dos espectadores mudou os rumos do personagem. A complexa Lolo foi, digamos, reduzida à Branca Maluca. E isso é bom.

No começo foi interessante, as pessoas entendiam o personagem e continuavam sua história. Um personagem esférico tende a evoluir ao longo de sua existência e foi o que aconteceu. Os primeiros compartilhamentos falavam de como Lolo estava cansada de morar no Brasil e já estava de mala e cuia para Miami, como Lolo não era racista por ter um amigo preto e que seu objetivo era tirar uma selfie com a polícia para demonstrar seu apoio a quem garante a ordem.

O conteúdo e a riqueza da interação criativa das pessoas fizeram Lolo rapidamente se transformar de forma satírica em uma mensagem política e social. A problemática surgiu quando Lolo foi erroneamente comparada com a já conhecida Nega Maluca e se tornado seu oposto, a Branca Maluca. Por que Lolo é mais do que uma “branca maluca”?

A fatídica fantasia de Nega Maluca, que alguns de vocês que leem esse texto já utilizaram, até mesmo neste Carnaval, é apenas racista e preconceituosa. Nada mais e por isso não deve ser usada. A Nega Maluca é considerada cômica somente porque é negra, por seu cabelo crespo e porque é uma empregada doméstica como são nossas mães, nossas irmãs e nós mesmas. Uma mulher preta é engraçada apenas por ser preta e isso é racismo.

Já Lolo é muito mais do que uma cara branca, ela é um pensamento que nos assombra, uma palavra que nos ofende, um movimento que nos oprime por sermos pretos, pobres, moreninhos, empregadas, gordos, necessitados, nordestinos. A graça que vemos na Lolo não está apenas na cor, mas porque, na realidade, longe dos dias de confete e serpentina onde os papéis se invertem, Lolos nos oprimem com seu dinheiro, suas opiniões e sua indignação seletiva. Mas, neste Carnaval, pudemos rir dela e algo mudou.


Não existe whiteface
Não existe whiteface. Não existe movimento artístico grotesco, em paralelo ao blackface, que sirva apenas para fazer rir a partir da

humilhação e degeneração de pessoas brancas. Não existe escola teatral ou artifício cômico que se utilize desse artificio grosseiro para discriminar o branco e sua cultura. Brancos não sofrem racismo. Brancos não sofrem preconceito por serem brancos.

Naturalmente a comparação cresceu conforme as imagens foram compartilhadas. Muitos riram e gozaram do fato de que, pelo menos desta vez, a risada era deles, dos que sempre são o motivo da piada. “Chegou o dia, chegou a nossa vez!”, disseram. Com prazer vi pessoas se deleitarem com a oportunidade única de rir dos símbolos do opressor de forma pungente, a vingança de anos de perucas black power e pessoas pintadas com piche. É óbvio que Lolo Figueiroa se vestiu de Nega Maluca em algum carnaval. Alguém tem alguma dúvida?

Whiteface seria pouco
Seria muito fácil simplesmente me utilizar dos artifícios grotescos e fazer algo que poderíamos chamar de whiteface, a caracterização grotesca do branco, seus trejeitos e cultura. Mas seria pouco, seria baixo. Seria limitar um personagem em sua profundidade e atribuir apenas o caráter cor, e isso não tem graça. O problema da Lolo vai muito além de ser branca, é seu caráter, sua ideologia e sua posição social. Lolo tem uma empregada preta que bate a panela quando ela se sente indignada e para ela essa é a ordem das coisas.

Esse tipo de personagem, o burguês canastrão e preconceituoso, é popular na cultura brasileira. Em todas as novelas e programas de humor tem um rico mau, ganancioso, sem escrúpulos, preconceituoso, que usa de sua posição social para explorar aqueles que não pertencem a seu grupo. Tem também a patricinha sem noção que vai levando a vida em ritmo de sinhazinha com sua empregada de confiança, seu motorista e sua ojeriza ao pobre. E são todos brancos, ou ninguém percebe? O rico estereotipado na TV, as Lolos das novelas são sempre brancas, mas parece que as pessoas não se veem ou não se importam que outros brancos representem seus defeitos e estereótipos, mas se uma mulher preta se torna protagonista desse debate e interpreta o personagem, bem, aí é racismo.

Para quem tem uma boa posição social, falar de comida é coisa baixa. É compreensível: eles já comeram. Bertold Brecht

Mas, estamos falando da internet, lar do ódio, do escárnio, da discussão infinita, dos crimes da palavra. “Racismo inverso”, gritaram, “Então quer dizer que Nega Maluca não pode e Branca Maluca pode?”, “Petralha” etc… Alguns se ofenderam e gritaram as palavras que já conhecemos e querem ter assegurado seu direito de gozar de seus privilégios sem serem ridicularizados com o riso do outro. Com eles, não! Já temos as negas malucas pra isso, oras.

Enquanto isso, hoje é segunda e Lolo já cumpriu seu papel. Muitos riram, se divertiram, se sentiram vingados, mas muitos também pensaram que o mundo poderia ser diferente. Guardo minha fantasia e fico pensando. E se no próximo ano sairmos juntos num bloco de paneleiros, gritando palavras de ordem como “viva a democracia, intervenção militar já”, rindo de nossas histórias sobre baladas top, sonhos de fugir do Brasil, com nossas empregadas que são quase da família, o que poderia acontecer? O que vai acontecer com Lolo Figueiroa, só o Carnaval e o tempo dirão…
* Luanna Teofillo é mestre pela Universidade Sorbonne Nouvelle em Paris, cujo tema de Mémoire foi “O Homem e os Negros – Da alteridade e racismo na linguagem”. Há mais de 8 anos publica o blog Efigenias sobre linguística, humor, mundo pop e o racismo cotidiano.
Fotos: Reprodução/Facebook

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2016

No Brasil...



Governo obtém vitória contra Cunha em eleição do PMDB




Leonardo Picciani, deputado contrário ao impeachment e pró-Dilma, é reeleito para a liderança do PMDB na Câmara dos Deputados. Cunha perde influência e poder de articulação em formação de comissões. 





Após algumas semanas de tranquilidade, a presidente Dilma Rousseff e o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), voltaram a medir forças nesta quarta-feira (17/02). Em disputa estava o comando pela liderança do PMDB na Câmara.

O partido tem a maior bancada da Casa, com 69 deputados. Cunha e Dilma apoiaram candidatos diferentes, e o resultado era visto como um termômetro para medir em que ponto está o prestígio ou o desgaste de ambos na Casa. No final, o deputado fluminense Leonardo Picciani venceu a disputa, em votação secreta, por 37 votos contra 30, o que significou uma vitória para Dilma e uma derrota para Cunha.

A reeleição de Picciani indica o que o governo deve esperar da Câmara e de uma parte do PMDB neste ano. O deputado fluminense é um fiel aliado do Planalto, e no ano passado atuou como um dos principais aliados do governo na costura política que tentava barrar o processo de impeachment de Dilma.

Picciani também é favorável à volta da CPMF e às medidas do ajuste fiscal, além de ser um desafeto de Cunha, que no ano passado chegou a articular a sua derrubada do cargo de líder.

Nesta eleição, Cunha articulou a candidatura do deputado paraibano Hugo Motta, que figura entre seus aliados e protegidos. Uma vitória de Motta indicaria mais um ano imprevisível na bancada do partido na Câmara e demonstraria que Cunha ainda têm muita força para avançar com o impeachment e barrar projetos do Planalto.

Na Câmara, o líder da bancada é o responsável por conversar diretamente com todos os deputados do partido e orientar seus votos. Também cabe a ele definir quais membros da sigla vão compor as comissões da Casa e algumas das presidências.

Neste caso, Cunha e Dilma disputavam ter ao seu lado alguém que iria se tornar responsável tanto por indicar o presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) como os oito membros do PMDB que vão fazer parte da comissão que vai analisar o impeachment de Dilma. Com a responsabilidade nas mãos de um aliado, o Planalto ganha mais fôlego.

Com a derrota de Motta se esgotam as opções para que Cunha influencie decisivamente a formação da comissão. No ano passado, o Supremo Tribunal Federal (STF) já havia anulado a formação de uma chapa avulsa, articulada por Cunha com membros do PMDB contrários a Dilma e que pretendia incluir na comissão um número grande de desafetos do Planalto. A única opção que restava a Cunha era tentar colocar alguém de confiança na liderança para articular as escolhas. 

A derrota também significa que Cunha terá menos poder de articulação na escolha do novo presidente da CCJ, a comissão que pode alterar algumas das decisões do Conselho de Ética da Câmara, que atualmente está analisando um processo de cassação do presidente da Câmara.

Hoje a CCJ é presidida por Arthur Lira (PP-AL), um aliado de Cunha. Além do processo de cassação, Cunha também é alvo de um pedido de afastamento no STF, que deve ser analisado nas próximas semanas.

Durante a disputa, Cunha se empenhou pessoalmente para angariar votos para Mota. O Planalto também jogou com força. Para garantir a vitória, Picciani contou com a volta à Câmara de cinco deputados suplentes mais três titulares licenciados.

Dilma chegou a exonerar temporariamente o ministro da Saúde, Marcelo Castro, para que ele reassumisse seu mandato como deputado federal e votasse em Picciani, tudo isso em meio à crise envolvendo o vírus zika.


quarta-feira, 10 de fevereiro de 2016

Avanço de direitos em Portugal



Parlamento de Portugal derruba vetos a novas regras para aborto e à adoção por casais gays
Redação | São Paulo - 10/02/2016 - 18h39
Ambos projetos foram aprovados por socialistas e pelas forças de esquerda, que são maioria; agora, Cavaco Silva é obrigado a sancionar os textos






O Parlamento de Portugal derrubou nesta quarta-feira (10/02) os vetos do presidente do país, Aníbal Cavaco Silva, às leis que regulam a adoção por casais homossexuais e criam novas regras para o aborto. Como os textos foram aprovados pela segunda vez, o mandatário do país é obrigado a promulgá-las.

Os dois projetos foram aprovados com votos dos Socialistas, que comandam o governo desde o final do ano passado, e por outras forças de esquerda. Os partidos de centro-direita lamentaram a decisão, dizendo que seria necessário um debate “mais amplo”.

Rita Duarte/Facebook
Parlamento português derrubou veto que impedia adoção de crianças por casais gays

Cavaco Silva, católico praticante que deixará a presidência no próximo dia 9 de março, após dois mandatos consecutivos no cargo, rejeitou em primeira instância as novas leis e reivindicou que voltassem a ser debatidas no parlamento.

Em comunicado divulgado no dia 25 de janeiro, o presidente português justificou sua decisão de vetar a lei que permite a adoção a casais homossexuais por considerar que ainda é preciso "demonstrar" que a lei "promove o bem-estar dos menores", cujos interesses devem "prevalecer".

"É importante assegurar que uma mudança tão relevante em uma questão de grande sensibilidade social não entre em vigor sem um amplo e esclarecedor debate público", afirmou Cavaco Silva.


O casamento entre pessoas do mesmo sexo foi regulamentado em 2010 no país, mas a adoção de crianças era vetada.

Aborto
No texto aprovado hoje, o Parlamento alterou uma norma aprovada pelos próprios parlamentares no ano passado – quando os conservadores tinham maioria – que criava dificuldades e exigia mais condições a serem cumpridas pelas mulheres que desejassem abortar: passou a ser exigido o pagamento de taxas para abortar e as obrigava a receber aconselhamento psicológico antes de tomar uma decisão.

A lei aprovada nesta quarta reverte estas modificações.

Na opinião do presidente, o texto "diminui os direitos de informação e elimina a obrigatoriedade de um acompanhamento técnico e especializado durante o período de reflexão" da mulher que pretende abortar.

Cavaco Silva será substituído em março por Marcelo Rebelo de Sousa, que ganhou em janeiro as eleições presidenciais com 52% dos votos.
(*) Com Efe