sexta-feira, 27 de maio de 2016

Brasil, pais da vergonha e dos maus tratos



STF libera divulgação de lista de empresas autuadas por trabalho escravo
  • 27/05/2016 17h30
  • Brasília






Felipe Pontes - Repórter da Agência Brasil
O Supremo Tribunal Federal (STF) revogou a medida cautelar que impedia a publicação oficial, pelo Ministério do Trabalho, da lista de empresas autuadas pelo governo por submeter seus empregados a condições análogas à escravidão.

Em sua decisão, tomada em 16 de maio e comunicada aos órgãos responsáveis na última terça-feira (24), a ministra Cármen Lúcia afirmou que a Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) 5.209, proposta pela Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias, perdeu o objeto após a publicação de duas portarias interministeriais que sanaram os questionamentos feitos sobre a norma que cria a lista.
Segundo o Ministério do Trabalho, não há previsão para que seja disponibilizada no portal do órgão a lista mais recente, como estipulado nas normas que regulamentam o assunto. É prevista ainda uma atualização semestral na relação de empresas autuadas, cuja permanência no cadastro se dá por dois anos após a inclusão.

Adin
Na ação, a Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias argumentava que a portaria de criação do cadastro de empregadores que submeteram trabalhadores a condições análogas à escravidão, publicada em maio de 2011, pecava por não prever instâncias de defesa contra a inclusão de nomes da lista, violando o devido processo legal. Durante o recesso de fim de ano de 2014, o presidente do STF, Ricardo Lewandowski, concedeu uma medida cautelar que impedia a publicação da chamada lista suja até que a matéria fosse julgada em definitivo.

Saiba Mais
A ministra Cármen Lúcia ressaltou na decisão tomada agora, no entanto, que uma segunda portaria, publicada em 2015, resolveu o problema ao estabelecer instâncias de recurso administrativo à disposição das empresas. Em um de seus últimos atos oficiais, o então ministro do Trabalho, Miguel Rossetto, assinou ainda uma terceira portaria, em 11 de maio deste ano, na qual abre uma porta de saída da lista suja por meio de acordos de ajustamento de conduta mediados pela Advocacia-Geral da União (AGU).



Em outubro do ano passado, a Procuradoria-Geral da República (PGR) já havia dado parecer pela improcedência da Adin 5.209, alegando, entre outras razões, que a redução de trabalhadores a condições análogas à de escravo “avilta os valores éticos e morais” nos quais se baseiam a Constituição. Para a PGR, o acesso público à lista garante o exercício da cidadania, pois permite que a sociedade cobre providências contra a escravidão. Na época, a proibição de divulgação foi criticada por autoridades e especialistas no tema.
Além de ficarem expostas perante a sociedade, as empresas incluídas na lista suja do trabalho escravo perdem o acesso a financiamentos em bancos públicos, como o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e o Banco do Brasil, que assinaram o Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo. Bancos privados também se valem dessa informação em suas avaliações de risco de crédito.

Procurada, a Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias disse que não se manifestará sobre a decisão do STF e que aguarda um posicionamento oficial do Ministério do Trabalho para estudar um eventual recurso.

Versão aproximada da lista
Por meio da Lei de Acesso à Informação, a organização não governamental Repórter Brasil e o Instituto do Pacto Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo (InPACTO) conseguiram acesso a uma versão aproximada da chamada lista suja, publicando-a em seus sites em fevereiro. As entidades, no entanto, vinham sendo alvo de processos na Justiça em decorrência da proibição de divulgação que vigorava sobre o cadastro.

“Uma série de empresas se sentiram prejudicadas e vieram para cima da gente, inclusive há processos criminais por eu ter divulgado informações públicas. Essa decisão [do STF] deve parar a abertura de novos processos”, disse o jornalista Leonardo Sakamoto, presidente da Repórter Brasil.

“As listas são semelhantes, as divergências serão muito pequenas, mas a lista suja oficial deve ser maior. Assim que publicar, a gente vai poder dizer se essa lista vai ao encontro do que se espera de uma lista que garanta a informação para a sociedade brasileira”, acrescentou.
Edição: Juliana Andrade
 

segunda-feira, 9 de maio de 2016

Brasil, país duro com os pobres e oprimidos



Grávidas continuam presas após audiências de custódia, denuncia ONG
  • 08/05/2016 09h56
  • Rio de Janeiro
Isabela Vieira e Tâmara Freire* - Repórter Agência Brasil
 Rio de Janeiro - Unidade Materno Infantil do Complexo Penitenciário de Bangu recebe mulheres privadas de liberdade acompanhadas de seus bebês até 1 ano de idade (Tânia Rêgo/Agência Brasil)
 
O procedimento que permite o juiz  ver a pessoa presa dentro de 24 horas, chamado de audiência de custódia, não tem sido suficiente para substituir o encarceramento de mulheres grávidas ou com dependentes, por penas alternativas. A denúncia é da organização não governamental Instituto Terra, Trabalho e Cidadania (ITTC), que há 15 anos monitora a situação de mulheres presas no país.

Com as audiências de custódia, determinadas pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) em todo país, desde fevereiro, e a Lei da 1ª Infância, a expectativa era que o número de mães presas diminuísse. Sancionada no Dia da Mulher, a nova lei flexibilizou a prisão de gestantes e de responsáveis por crianças até 12 anos, incluindo mães e pais, para beneficiar as famílias.

Organizações não governamentais denunciam que manter mães em presídios compromete o desenvolvimento psicológico, social, intelectual e até genético dos filhos. No entanto, segundo o ITTC,  as mães não são ouvidas nas audiências e poucas conseguem responder pelos delitos em liberdade.

Segundo a coordenadora do Projeto Justiça Sem Muros da ONG, Raquel da Cruz Lima, os juízes continuam indo para as audiências “com a mentalidade do processo em papel”.

“Ainda hoje, mesmo com as audiências de custódia, em São Paulo, ainda têm mulheres gestantes que vão presas por crimes muito irrelevantes com quantidades muito pequenas de drogas, sem motivo nenhum, porque a lei autoriza manter as mulheres presas”, criticou Raquel.

Para ela, os juízes trabalham com modelos pré-definidos de decisão e endurecem quando o crime é tráfico de drogas, mesmo que uma mulher reúna características para ser liberada. “Se é um caso em que a mulher tem domicílio fixo, trabalho formal, é réu primária, nunca cometeu furto, vai ser solta. Agora, se o crime é tráfico, ainda que seja primária, não soltam”.

Mesmo antes da lei da 1ª Infância, mulheres com sete meses de gestação ou responsáveis por crianças até 5 anos, poderiam ter a prisão relaxada. Ainda assim, disse Raquel, o Judiciário era pouco flexível com casos relacionados ao tráfico de drogas sem violência.

Abrangência das audiências também preocupa
Outro problema, denuncia a coordenadora do ITTC, é a curta abrangência das audiências de custódia no país. Em São Paulo, Raquel deu exemplo de uma mulher com a gestação avançada, com outros filhos, presa por furtar uma bandeja de carne para alimentar a família.

“Esse é um caso que, mesmo com juízes insensíveis, a mulher seria solta na audiência de custódia. Mas ela foi presa na grande São Paulo, não passou pela audiência de custódia, foi para prisão e ainda está lá”, denunciou. “É dramático porque esse é um daqueles casos que a Justiça consideraria de menor relevância e ela sequer seria processada, mesmo assim, ela está presa”.

No Rio de Janeiro, onde a Defensoria Pública do Estado tem monitorado o Judiciário, quando a presa é gestante, nas audiências de custódia, o balanço é semelhante. Das 72 mulheres presas em flagrante entre outubro de 2015 e janeiro deste ano, 54 delas disseram ter filhos e 11 estavam grávidas. Dessas, oito conseguiram ser liberadas nas audiências de custódia.

“Dificilmente, a gente consegue obter a liberdade provisória nos crimes cometidos com violência, o que já era esperado”, disse o coordenador de Defesa Criminal da Defensoria, Emanuel Queiroz. “Mas o grande crime, praticado sem violência, é o tráfico de drogas. E existe um problema aí, dramático, que não se refere só às mulheres, que é a política de drogas”.

CNJ defende  flexibilização de penas
Para garantir o cumprimento das regras das Nações Unidas para o tratamento de mulheres presas, com prioridade para medidas que evitem o encarceramento, conhecidas como regras de Bangkok, o Conselho Nacional de Justiça tem trabalhado para mudar a cultura do Judiciário.

Diretor do Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário Nacional, Luís Geraldo Manfredi reconhece que os juízes têm receio de recorrer as penas alternativas, com medo que elas não funcionem, mas reforça que o encarceramento deve ser o último recurso.

“O dilema das alternativas penais não é específico da questão de gênero, é um desafio para o próprio judiciário, de compreender melhor os motivos para evitar o encarceramento desnecessário, o rompimento de laços familiares e a consequências deletérias da prisão”, disse.

O CNJ também apoia o indulto (redução e perdão de penas) de mulheres condenadas por até cinco anos de prisão por tráfico de drogas. O documento, em análise na Casa Civil, pode ser assinado pela presidenta Dilma Rousseff nos próximos dias. A campanha em defesa do indulto conta com apoio de cerca de 200 organizações de defesa dos direitos humanos.

*Repórter do Radiojornalismo da EBC.